Faculdade do Cefi

Temas Atuais

Suco de Uva

Recentemente acompanhei um familiar próximo num procedimento cirúrgico e suas complicações, resultando em 12 dias de UTI e 15 ao total de internação hospitalar. Foi um processo difícil, sofrido e segue tendo consequências como tal. Mas acima de tudo me fez refletir sobre o que realmente é importante e valoroso nessa vida, sobre como reagimos quando estamos vulneráveis e o quanto o contexto influencia nessas situações.

Falar do contextualismo funcional é falar das terapias comportamentais contextuais, entendendo que a influência contextual se refere ao fato que “as diversas variáveis adquirem função a partir do contexto da sua ocorrência e portanto, intervenções contextuais podem atribuir novas funções aos mesmos eventos” (OSHIRO & FERREIRA, 2021, p.7 ). Sendo assim, estar atento ao contexto que um evento ou comportamento ocorre faz toda a diferença na análise funcional do mesmo, entendendo quais são os antecedentes, o comportamento em si e as consequências.

Para exemplificar compartilho a situação do suco de uva. O que antes era apenas um suco de uva, que estava ali à disposição no supermercado e nunca chamou a atenção, passou a ser o objeto mais cobiçado por longos dias de UTI. Lembrando que estava num contexto de muita sede por estar proibida a ingestão de líquido.

Esse objeto de muito desejo, naquele contexto, se tornou algo muito valoroso e solicitado muitas vezes, tanto que ao ser finalmente liberado veio com direito a festa e celebração pela equipe da UTI e nossa. E assim poderia trazer muitos outros exemplos, como poder ver o nascer do dia da janela do quarto, a primeira evacuação, o primeiro banho e muitos outros, que só nesses contextos de muita vulnerabilidade nos lembramos da importância das coisas pequenas  e automáticas da vida.

Etimologicamente, a palavra vulnerabilidade vem do latim “vulneratio“, que significa a qualidade de ser ferido. Portanto, é um termo associado com a susceptibilidade ou o medo de ser ferido emocional ou fisicamente, sendo normal provocar sensação de perigo, alerta, incapacidade e até vergonha. Experimentamos especialmente a vulnerabilidade emocional, que uma situação de internação hospitalar gera, por estar exposto a situações constrangedoras, dolorosas ou difíceis, causando sensações emocionais de medo, tristeza, raiva, frustração e pensamentos negativos e de derrota. O detalhe é que negar esses sentimentos não faz  com que o problema desapareça. A possibilidade de aceitar de uma forma efetiva praticando mindfulness ou algum outro método de relaxamento, mantendo pensamentos potencializadores e positivos pode trazer um pouco de paz e conexão com os fatos e dados.

Sabemos que o medo gera diferentes tipos de impulsos de ação. Algumas pessoas entram em modo de luta, outras fogem ou se paralisam. Nessa situação ficou evidente a diferença entre o meu jeito e do meu familiar e também muito contextualizado pela história de vida de cada um. Então aceitar e acolher sem julgamento o que cada um consegue fazer num momento de tanta fragilidade é um belo exemplo de validação e compaixão. Estar no lugar de espectador  e estar dentro do furacão tem uma grande diferença, ou seja, mais uma vez o contexto gerando o texto.

Lembre-se sempre que você é um ser humano completo com virtudes e também imperfeições e como tal cheio de emoções, pensamentos e atitudes, o que torna possível se estar vivo e  recordar o que é essencial na vida: amigos, família, fé, gratidão e a simples possibilidade de  tomar um suco de uva.


Texto escrito pela integrante do Núcleo Contextus, Vanessa Stechow.