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Racismo, Saúde de pessoas negras e Psicologia

Estruturo este texto na árdua tarefa de escrever sobre um assunto tão urgente, complexo, longo e delicado. Falarei de algumas vivências pessoais com objetivo de trazer sensibilidade, despertar em vocês empatia e emoções. Também, citarei alguns autores que discorrem sobre racismo e suas consequências na saúde de negros bem como o papel do psicólogo frente a esta forma de violência, crime, fator estressor e adoecedor.

O racismo anti-negro trata-se de um sistema que alicerça e organiza a sociedade, determinando suas políticas, práticas sociais e ideológicas em nível mundial, impedindo o acesso de pessoas negras a direitos básicos e qualidade de vida (WERNECK, 2016).

Apesar do Brasil ser o país com mais negros fora do continente africano e da população negra ser mais de metade dos brasileiros, somos maioria em presídios, favelas e minorias em cargos de poder, universidades e funções com alta remuneração. Negros morrem mais, vivem menos tempo e em piores condições de vida, uma vez que têm escasso acesso a seus direitos humanos básicos e dignidade, como água, luz, esgoto, educação, saúde, cultura e lazer (MEYRELLES & ATHAYDE, 2014; IBGE, 2016).

Sou mulher negra mas nem sempre me defini assim, antes me dizia mulata.

Morei dos 0 aos 17 anos em Portugal e descubri que era negra (de pele clara) quando retornei para o Brasil em 2009. Os olhares diziam que eu não pertencia naquela universidade privada que estudei .

Nos estabelecimentos comerciais o famoso tratamento vip dedicado a quem é suspeito pela cor de sua pele.

Percebi, então que a minha cor era carregada de diversos estereótipos negativos. Negra. Aos 24 anos anos decidi parar de alisar o cabelo (alisava desde os 9), passei a ter diversas pretas e pretos como apoio, referência e inspiração.

Descobri que a África é um continente que já tinha uma riqueza cultural, científica, religiosa, comercial e de organização social enorme antes de negros africanos serem sequestrados e escravizados por europeus (e continua tendo). Me tornei negra, orgulhosa da minha raça e história de resiliência do meu povo.

O racismo é como uma ferida, violenta, que age como uma doença que pode matar um negro aos poucos, sem este sequer saber que estava adoecido ou morrendo.

Muitas coisas podem abrir ou aumentar esta ferida: a mãe que alisa o cabelo de uma criança de 9 anos para ficar mais bonito, as bonecas que são sempre brancas; o colega da escola que diz que tem nojo de te abraçar porque tu és negro e estás com o cabelo solto; as piadas com as tuas características físicas; a professora que faz carinho no cabelo e abraça todos os teus colegas menos tu; as piadas racistas dos colegas que o professor ignora ou no máximo manda pedir desculpas sem nenhuma reflexão racial; o teu colega no ensino médio que te diz "tu és perfeita, pena o teu cabelo"; o chefe que te trata pior que o colega branco; o colega que te diz coisas racistas; o professor universitário que faz insinuações sobre os problemas de negros estarem na Universidade, pichações na parede dizendo "fora macacos, brancos no topo,negros no ru" no diretório acadêmico.

Como tudo isso afeta a saúde de uma pessoa negra?

Apesar de existir em todos os lugares do mundo e de diversas formas, no Brasil o racismo grita. Grita tão alto com suas mentiras que crianças negras na educação infantil já acreditam que ser negro é negativo e negam a sua raça, dizem que são feios e que não gostam de seu cabelo/boca/cor de pele/nariz, dizem que são brancos e se desenham assim e com o cabelo liso.Este processo foi descrito por Franz Fanon como auto-ódio e representa a internalização de todo este discurso histórico e social racista, de supremacia branca. Este fenômenoé chamado por outros autores de identidade racial negativa, que pode levar ao desejo de ser branco, ao suicídio ou processos estéticos de clareamento de Pele ou cirurgias que afinam o nariz. Racismo é violência, crime e fator stressor, podendo gerar depressão, transtornos de ansiedade, insegurança,minimização ou depreciação do seu papel social, baixa autoestima,

Vergonha,reconhecimento negativo de si, problemas de afetividade, desmotivação, autoimagem negativa, sentimento de inferioridade, entre outros.

Pessoas negras podem desenvolver esses problemas devido ao racismo que viveram e vivem, adoecem por serem pretas. Pessoas brancas não. Essa violência que nós negros sofremos machuca, dói, humilha, envergonha, desumaniza, diminui, adoece e dá muita muita muita raiva. A raiva que o racismo faz os negros sentirem pode ser um veneno que nos destrói ou um combustível para nos levar onde queremos chegar. É muito difícil usá-la positivamente mas é possível, apesar de cansativo. Essa raiva, pode ser externalizada através de transtornos de conduta e violências ou internalizada e se manifestar como uma depressão ou abuso de substância psicoativas. Em ambos os casos a raiva afeta as famílias e indivíduos negros, sua saúde mental e integral, seu modo de funcionamento e necessidades (BOYD-FRANKLIN & KARGER, 2016).

Nós,negros, além de sobrevivermos ainda precisamos ter resiliência para nos amar, acreditar em nós, saber do nosso valor e história de superação e força. Como? Também com a ajuda dos psicólogos que lutam pela justiça racial. O que estes podem fazer?

Como os terapeutas podem obter conhecimento e treinar o seu olhar para as formas sutis e sistêmicas de ação do racismo? Esse é o tema do meu tcc na especialização do Cefi em Psicoterapia Sistêmica.

Primeiro se conscientizando de que a raça importa e em seguida assumindo que existem crenças racistas dentro de si que interferem na psicoterapia. É fundamental explorar a sua própria identidade racial, desafiando o seu racismo interno e em seguida nos outros. Reconhecer seus privilégios enquanto pessoa branca e mostrar abertura e humildade para escutar pessoas negras também são atitudes importantes ( HARDY E LASZLOFFY, 2003).

Todos sabemos que um ser-humano precisa de referências positivas,de pessoas que se pareçam com ela de preferência, com as quais possa se identificar. Cabe ao terapeuta auxiliar seu paciente negro no autoconhecimento da história de seus antepassados, inclusive a parte da força,superação,coragem,luta, resiliência, protagonismo e diversos motivos de orgulho. Pessoas negras que existiram e existem e podem ser inspirações são fundamentais. Falar sobre o racismo é urgente. Deixo abaixo um link com muitos materiais sobre o assunto. Espero que muitos se interessem, contém artigos artigos e livros sobre racismo,saúde e psicologia além de pesquisas com diversos dados estatísticos recentes ilustrando a situação das pessoas negras em diversos aspectos.

Além de ser regra do CFP desde 2002 (resolução n° 018/2002), já passou da hora de termos a consciência humano e ética de resolver este problema antigo, que violenta pessoas pela cor de suas peles. O racismo massacra negros mas é um problema social,ou seja de todos nós.

Estamos sobrevivendo, conquistando espaços que ainda acham que não merecemos e curando nossas feridas, não conseguimos e não é nosso papel lutar contra o racismo sozinhos.Nós, pretos, precisamos que pessoas brancas percebam a sua responsabilidade em combater esta doença social.Somos todos humanos e anti-racistas?

Texto:

Psicóloga Gieri Alves - atua na Psicologia Clínica, Social e Escolar. Tem experiência nos seguintes temas: terapia sistêmica; relações étnico-raciais; diversidade sexual e de gênero; família; feminismo; psicologia social; educação social e emocional; mindfulness; violência; infância; adolescência. Pós-graduanda em Terapia Sistêmica com indivíduos, casais e família (CEFI) e em Violência contra a criança e o adolescente (PUCRS). Mulher negra que faz parte da luta antirracista e feminista, palestrante sobre justiça racial, racismo e saúde.

O CEFI, comprometido com esta questão social, tem uma disciplina voltada para o papel dos psicólogos nesse entendimento. Raça, Cultura e Gênero faz parte da Especialização em Terapia Sistêmica do CEFI. O curso está com matrículas abertas. Saiba mais no http://cefipoa.com.br/index.php/br/curso-interna/curso-de-especializacao-em-terapia-sistemica-com-individuos-casais-e-familias-19 ou ligue para 51 99420-7008 (whatsapp).