Permanecer enamorado: o desafio de todo o casal.
Então, é dia dos namorados! Dia de celebrar o amor, o romance, o desejo, o encontro, o enamorar, a paixão.
Para alguns casais é algo vivo, real e presente. Para outros, uma lembrança gostosa perdida no tempo, memórias guardadas em fotografias amareladas, pura nostalgia em meio a tantas outras imposições cotidianas.
Se o enamoramento é algo a ser celebrado, ou uma “doce lembrança”, acho que todos concordam que é algo a se buscar e cultivar em nossas vidas. Afinal, quem não gosta ou gostaria de sentir-se enamorado de novo?
Proponho começarmos com uma passadinha no dicionário. Ele não é exatamente poético, mas é assertivo, certeiro, um bom ponto de partida para uma reflexão de significado.
“Na.mo.rar (verb.trans.dir,trans.indir.e intrans): Ter um relacionamento amoroso com alguém. Desejar possuir; olhar insistentemente para algo; cobiçar. Procurar inspirar amor em alguém; cortejar; demonstrar interesse afetivo; encantar ou encantar-se por algo ou alguém.”
Quando planejamos fazer um bolo ou aquele prato especial costumamos buscar uma receita. Da mesma forma, a breve consulta no dicionário nos (re)lembra os ingredientes básicos do enamorar: “desejo”, “olhar”, “inspirar amor”, “cortejar”, “demonstrar interesse”, “encantar”.
Na fase do namoro a relação parece mais leve e menos exigente. É momento de se conhecer, de se descobrir, de impressionar o outro, de criar o vínculo, gerar confiança, demostrar cumplicidade e compreensão. Época de aventuras, novidades, mistério, surpresas. Carícias, afagos, cinema, beijo na boca. Paixão. Uma torrente de emoções. Energia intensa. E sexo, muito mais sexo.
Mas por que clima de namoro e a paixão desaparecem muitas vezes nas relações longas?
Voltamo-nos para os ingredientes do bolo: Onde foi parar o desejo? Como está o nosso “olhar”, para nós mesmos e para o parceiro(a)? O que nos inspira? O que demonstramos ao outro? O que nos encanta, e o que “em nós” encanta?
E por falar em desejo e sexo, por que muitos casais quase não transam mais, mesmo que digam se amar? Intrigante a pergunta: Por que, mesmo após a liberação sexual, casais modernos se queixam de perda do desejo sexual?
Psicólogos e terapeutas sexuais se perguntam como conciliar o erotismo e o doméstico nas relações longas. Sempre se atribuiu à falta de reservar um tempo a sós para o casal ou a problemas de comunicação. De fato, muitos casais modernos, mesmo jovens, se queixam de diminuição da libido e justificam o fim do erotismo com uma lista de álibis sexuais. Eles estão muito ocupados, estressados, e muito cansados para transar. De todas as fases da resposta sexual, o desejo é a mais sensível à ruptura do vínculo e conexão do casal.
Este é o assunto tratado pelo livro “Sexo no Cativeiro”, de Esther Perel. A autora traz em sua obra a discussão de como alimentar o desejo em relações longas, enfatizando a importância de se trazer novidades, aventura e mistério para a relação. Esther também fala em como reacender o desejo e do paradoxo que envolve a natureza do amor e do erotismo. Amor e desejo nem sempre ocorrem ao mesmo tempo, já que os ingredientes que nutrem o amor nem sempre nutrem a paixão erótica. Segurança e paixão são necessidades humanas distintas e que tem origens diferentes. O desejo é movido por mistério, fantasia e imaginação, não por exigências ou negociação. Todos nós precisamos de segurança, estabilidade e continuidade. Mas também temos necessidade de novidade e paixão, forças que geram vida e a tornam vibrante. Esta é uma ótima leitura que trata da realidade de casais de uma forma clara e compreensível.
Todo o casal passa por fases de desejo e erotismo diminuído. A vida é um contínuo movimento, uma contínua transformação dos relacionamentos. Quando o senso de movimento é perdido ou distorcido restam expectativas irreais. Já adultos tornemo-nos conscientes dessas mudanças do ciclo de vida, de seus desafios e da maturidade necessária para adaptar-se a cada nova etapa. É uma escolha diária, portanto, seguir e aceitar o desafio de investir na relação com a mesma dedicação com que nos empenhamos em outras áreas da vida.
Cultivar o desejo no casamento é, portanto, como cultivar um “jardim secreto”, um espaço só do casal, um espaço sagrado de intimidade e prazer. Neste espaço os namorados de antes são mantidos vivos e bem nutridos. Um espaço de desejos, de olhares interessados, de demonstrações de afeto, de inspiração e encantamento. Eu também costumo chamar de “play-ground”, um espaço para o lúdico, a alegria, a diversão. Nele não pode faltar o elemento surpresa e a atenção está voltada para o “aqui-e-agora”, e para as sensações despertadas.
É possível sermos eternos namorados de nossos parceiros quando atentos aos ingredientes básicos, quando nutrimos o interesse genuíno, o cuidado amoroso, o olhar atento. É possível quando cuidamos do jardim, quando permanecemos conectados e temos no outro um vínculo seguro, uma fonte de estabilidade e segurança, mas também uma fonte de prazer e satisfação. É possível quando reconhecemos a dicotomia que existe entre amor e sexo, não como se fossem opostos, mas que se complementam em casais maduros emocionalmente.
Nesta receita não pode faltar a cereja do bolo, a poesia:
“Amor é pensamento, teorema
Amor é novela
Sexo é cinema
Sexo é imaginação, fantasia
Amor é prosa
Sexo é poesia”
Amor e Sexo (Rita Lee)
Michelli Osanai - CRM 22806: Médica Ginecologista e Sexóloga; Coordenadora do Núcleo Edusex do CEFI