Lições da Música para uma vida que valha a pena
Talvez você já tenha ouvido alguma reflexão sobre o quanto a Música é um catalisador das interações humanas, ou sobre o quanto ela faz a diferença no humor de algumas pessoas. Eu tenho algumas experiências pessoais que gostaria de compartilhar, por isso quero dar uma perspectiva um pouquinho diferente.
Pense em uma música que você gosta. Sem julgamentos, pode ser que não tenha alguém que compartilhe esse gosto contigo, e isso está ok. Dê um tempinho pra sua mente escolher.
Experimente botar essa música enquanto toma banho, ou enquanto faz alguma tarefa difícil.
Experimente colocar essa música como despertador do celular.
Imagine cantar essa música para alguém que você gosta (mesmo que você não saiba cantar). Se for instrumental, imagine cantarolar.
Experimente parar tudo que você está fazendo e somente escutar a gravação da música. Veja o que a sua mente produz enquanto faz isso.
Experimente pesquisar se há imitações, paródias, remixes dessa música. Vá até a página do artista e descubra quem esteve envolvido na produção. Descubra se existiu uma versão demo dessa música. Talvez você não encontre nada, ou encontre coisas interessantes.
O que eu quero dizer com essas ideias? Temos um fenômeno – a canção em si – e podemos interagir com ele de inúmeras formas. Se você conhece uma música há muito tempo, pode estar acostumado com o som que faz, com as palavras da letra, com o ritmo, a estrutura da música (verso, refrão, etc.), com algumas melodias. Se você para e interage com ela de uma forma diferente, pode ser que coisas diferentes saiam dela.
Quando eu penso em viver uma vida que vale a pena, penso que há coisas que nos estão postas: nossa história, nossa genética, as coisas que fizemos no passado. Podemos dizer que isso é a gravação da música que escolhemos para essa prática.
Agora imagine pegar essa história e tocar em 50% da velocidade. O que muda? E se tocarmos 2x mais rápido, o que acontece? E se mostrarmos essa música para especialistas, para desconhecidos, ou até para pessoas queridas que ainda não a conhecem?
Eu tinha costume de escutar músicas do Pink Floyd no fone de ouvido quando era pequeno, no meu contexto ninguém gostava muito. Lembro a primeira vez que ouvi tocar em uma festa, e era como se algo ali estivesse errado. Claro que esse estranhamento fazia sentido, afinal não foi muito comum para mim ouvir essas músicas no contexto de festa. Depois disso, lembro que passei a frequentar muito mais festas, porque sabia que podia ouvir músicas que gostava, em vez de tolerar o que eu não gostava na época.
A mesma coisa aconteceu quando comecei a fazer terapia e pude contar histórias difíceis, que talvez guardasse para mim mesmo, e não ouvir as mesmas respostas de sempre, como “você já tentou XYZ?”, “você deveria agradecer por ter acontecido só ABC, tem gente sofrendo mais que você.” mas talvez não ouvir nenhuma resposta ou receber uma boa validação.
Fora da terapia, a lição é a mesma: fazer coisas diferentes no mesmo contexto ou mudar o contexto onde as coisas são feitas pode ser uma porta para mudanças importantes na vida. Marsha Linehan (2020) fala sobre a história de ser uma criança agitada, de ouvir diversas críticas sobre o seu temperamento, e principalmente sobre a expectativa de algum dia ser “corrigida”, para adequar-se às expectativas dos outros. Ela usa uma metáfora um pouquinho diferente: conta sobre ser uma tulipa em um lugar onde se espera rosas. Em um caminho que produz felicidade, ela diz escolher ser uma tulipa em um campo de tulipas, e não esperar tornar-se rosa, porque isso ela não consegue.
Quais são as músicas que você ouve só no fone de ouvido, e não compartilha com os outros? O que aconteceria se compartilhasse com alguém próximo, ou se fosse até um lugar onde existem outros que apreciam esse tipo de música?
Leitura adicional:
Linehan, M. (2020). Building a Life Worth Living. New York: Random House.
Texto escrito pelo psicólogo e integrante do Núcleo Contextus, Giovani Gatto.