Drogas versus drogas

Pesquisas inovadoras têm apontado novas possibilidades de tratamentos para transtornos psíquicos como depressão, ansiedade, traumas e também dependência química. Não é a primeira vez que surgem novos tratamentos para esses problemas. O que é atípico nestas pesquisas? As substâncias em questão já foram usadas como drogas.

Embora algumas tenham sido desenvolvidas ou isoladas primariamente como medicações (como ketamina, maconha, ecstasy e LSD) e outras com contexto religioso-espiritual (como cogumelos, ibogaína, ayahuasca) o que todas essas substâncias têm em comum é que já foram usadas no contexto recreativo. Raramente você vai encontrar alguém dizendo que tomava fluoxetina antes de ir para uma festa, ou divalproato de sódio para ver um filme de modo “diferente”.
Quero dizer que existe nisso algo de imoral, que não deveria existir esse tipo de pesquisa? De maneira nenhuma. As únicas fronteiras para a ciência deveriam ser as éticas, e isso deve ser avaliado individualmente.

Ainda assim, encontramos um risco que as barreiras entre recreativo, ou mesmo abuso, borrem. Da mesma forma, também o limite entre religioso-espiritual e científico.

Em primeiro lugar, os tratamentos têm que ser avaliados cientificamente, e ser replicados e questionados por pesquisadores diferentes em vários locais e públicos. Isso também implica que o tratamento deve ser feito com acompanhamento, em local apropriado.

Existem já relatos de pessoas com transtornos não pesquisados tomando LSD em festas para “tratar sua depressão”. Não é possível dizer que essa pessoa está fazendo um tratamento. Ela está tendo uma experiência recreativa. Muitos usuários de maconha dizem que estão tratando um transtorno ansioso, mas a ansiedade só surge quando param de usar. Isso é sintoma de abstinência!

Devemos ser rígidos e metódicos com o que definimos como tratamento. De outra maneira estaremos, enquanto médicos ou psicólogos, empoderando o uso nocivo de uma substância.

Por Emmanuel Kanter
Psiquiatra
Núcleo Integração CEFI