Como a desregulação das emoções nos cega e interfere na nossa percepção sobre o mundo?
Pode parecer estranho ou indelicado sugerir que a maioria de nós, quando está submerso numa doença mental, não está capaz de pensar. Ou nem precisa ser numa doença mental, uma boa desregulação das emoções já faz este serviço. Mas não é assim que a pessoa se sente, é claro. Por dentro, nossas mentes provavelmente se sentem ocupadas e focadas em organizar os pensamentos, não nos dão um momento de descanso e ficamos exaustos pelas maratonas que nossos pensamentos correm dentro de nós. No entanto, podemos ainda querer insistir (pela mais gentil e redentora das razões) que esta intensa atividade mental não afeta nossa sanidade…
Na fase intensa da desregulação emocional, nenhuma das faculdades mentais funciona mais, mas – e essa é a verdadeira dificuldade – dificilmente percebemos o que está acontecendo. Quando estamos emocionalmente adoecidos ficamos inconscientes. Parece que continuamos a pensar da forma que sempre foi – com toda a inteligência e confiabilidade usuais. Em nenhum lugar ao longo do caminho nossa mente generosamente nos diz que começou a olhar a realidade através de lentes distorcidas, que – em algum momento do dia – para todos os efeitos – parou de funcionar. Nenhum sino toca, nenhuma luz de perigo começa a piscar. A mente simplesmente insiste que está nos dando todas as leituras normais e que objetivamente entramos no inferno.
No entanto, a verdade é que, com a desregulação das emoções, perdemos o comando de parte de nossa sanidade mental e ficamos reunindo ideias dos aspectos traumatizantes e perversos de nós mesmos. É como se um grupo de terroristas tivesse vestido jaleco branco e estivesse se passando por cientistas de prestígio para traçar um conjunto de teorias e prognósticos perversos. Depois de termos passado por alguns ciclos de pensamento distorcido e recuperado o contato com a realidade, devemos fazer a nós mesmos a gentileza de aceitar que podemos perder o comando de nossas faculdades superiores e que não há nada de constrangedor em reconhecer a possibilidade e nos acomodarmos a isso com cuidado. Devemos começar a detectar melhor quando a doença pode estar se aproximando de nós, quais podem ser os gatilhos para ela. Então, quando estiver sobre nós, não devemos fazer e decidir nada. Não devemos enviar mensagens, julgar as vidas das pessoas ou planejar o futuro. “Na dúvida, não ultrapasse”. Para evitar uma conduta nociva como consequência destes pensamentos distorcidos, devemos – tanto quanto possível – interromper toda a atividade mental e descansar. Pode ser ao ouvir música, tomar um banho demorado, assistir a algo na TV que não seja prejudicial…
Crescemos com a ideia de que, enquanto estivermos conscientes, nossas mentes estarão funcionando perfeitamente. Mas a doença mental nos ensina uma lição mais complicada: nossas faculdades superiores (aquelas que nos dão acesso à realidade) são extremamente vulneráveis e perigosamente propensas a se fecharem sob a influência de nossas intensidades emocionais. Devemos nos esforçar para ser pensadores que reconhecem quando não estamos mais capazes de pensar com sabedoria. Somos imperfeitos e está tudo bem, o importante é estar atento a isso.
Uma boa possibilidade de ajuda nestes momentos é tentar conectar nosso cérebro ao de outra pessoa, confiável, para nos ajudar com seu raciocínio. Pode ser um amigo ou terapeuta a quem possamos recorrer nesses momentos e perguntar se eles podem calibrar e regular nossos pensamentos com uma injeção de sabedoria e discernimento, um cuidado com a vida.
Texto escrito pela integrante do Núcleo Contextus, diretora da FACEFI e doutora Mara Lins.