A dor da tragédia no RS e a solidariedade das pessoas-Ubuntu
Dor… não há outra palavra que possa tentar definir o que as pessoas do RS estão sentido após a catástrofe ocorrida… muitos perderam vidas, outros perderam suas casas, suas estruturas…
E os que estão vivos estão atônitos… choque, trauma, sensação de devastação…
E os que estão vivos começam a olhar para os lados… e a ver a dor um do outro, a sentir a dor um do outro… a se desesperar com o outro…
E, para a maioria das pessoas (ainda bem), desta mesma dor emerge um impulso de fazer algo, de ajudar, desejo de salvar vidas…
Será que, ao salvar o outro, salvo a mim mesmo?
Ao pensar em algo tribal de sobrevivência, lembramos do Ubuntu: é uma antiga sabedoria africana, uma filosofia praticada em algumas regiões da África, que enfatiza a interconexão entre as pessoas, a cocriação, a compaixão e a bondade. A prática do Ubuntu leva à interconectividade, nós nos vendo nos outros.
Ubuntu dissipa o mito de que somos separados como humanos e enfatiza os benefícios que obtemos por estarmos interligados, colaborarmos e servirmos os interesses do todo, em vez de servirmos aos interesses individuais. Esta é uma grande mudança do ‘Eu-centrismo’ para o ‘Nós-centrismo’.
“Umntu Ngumntu Ngabantu” traduzido significa: “Um humano é apenas humano através dos outros” ou “Eu sou porque nós somos”.
Talvez aqui esteja uma explicação da ajuda coletiva que os gaúchos estão vivenciando. As pessoas do mundo todo envolvidas em fazer o impossível para ajudar, indo nas casas onde há riscos para salvar vidas, salvar animais, organizando doações de alimentos, roupas, colchões, brinquedos etc., para dar o mínimo de sobrevivência para desabrigados, e sim, um lamento profundo pelas mortes precipitadas… Dor de um, dor de todos, Ubuntu afirma que estamos todos unidos e com todos os Seres, tanto os Seres que vemos quanto aqueles que não podemos ver com os nossos olhos naturais, mas podemos sentir sua existência, principalmente neste momento de tristeza.
Ubuntu traz sentido profundo de que somos humanos apenas por meio da humanidade dos outros, que se quisermos realizar alguma coisa neste mundo, será necessário medida igual devida ao trabalho e às realizações de outros. Aqui podemos referir trabalho em igual medida de auxílio à vida, a própria e a dos outros, pois há o sentimento de que cada pessoa faz parte do principal – pertencer à uma comunidade que foi devastada.
A narração de histórias é usada na tradição africana para orientar os jovens, conectá-los às suas raízes e transmitir sabedoria sagrada e valores antigos. Talvez possamos contar nossa história para as gerações futuras sobre a catástrofe que vivemos com as inundações não somente pelas perdas, pela dor, mas também pela solidariedade de um povo que se deu por conta de sua irmandade, de sua interconectividade, da emoção ao ver uma criança reencontrando sua mãe, da satisfação ao ver um desabrigado dormindo quentinho, da dor coletiva que salvou vidas. Tomara que nossa história seja de amor que transforma.
Eu sou porque nós somos.
Mara Lins