Vulnerabilidade: Gerando conexões valiosas
Estava preparando uma aula para um curso que vou dar essa semana e me notei reflexiva. O tema era relacionado à Terapia Analítico Funcional (FAP – Kohlenberg & Tsai, 1991) que busca desenvolver conexões interpessoais poderosas. Dentro dessa perspectiva, uma forma de estabelecer esse tipo de relação é se colocar de forma vulnerável com o outro. Isso gera um espaço de abertura e conexão.
Pare um momento e pense sobre as interações que mais marcaram você ao longo de sua vida. O que veio a sua mente? Provavelmente eram momentos em que você estava se sentindo conectado com a outra pessoa. São lembranças alegres ou tristes? O que você sente nesse momento ao trazê-las a sua mente?
Quando eu lembro de algumas das interações que mais me marcaram ao longo da minha vida, eu experimento uma sensação intensa, difícil de definir, o coração batendo mais forte, uma sensação de calor no peito, às vezes sinto como se fosse um arrepio no meu corpo e por vezes sinto vontade de chorar.
Esse é o poder de uma conexão valiosa, é aquela conexão que nos transforma ali, naquele momento. Pode ser uma conexão com outras pessoas e também pode ser uma conexão com outras partes de nós mesmos. Nem sempre é fácil ou agradável experimentar essa conexão, então por que fazer isso? Vou tentar responder essa pergunta ao longo do texto.
Uma das razões que me fez escolher escrever sobre isso hoje foi um clipe que eu encontrei na semana passada. Eu estava escutando um álbum no Spotify e de repente começou a tocar uma música… senti uma faísca dessa sensação que venho descrevendo para vocês. Ok, o momento passou, mas vi que algo naquela canção me tocou. Mais tarde, resolvi buscar o clipe da música.
Esse clipe me emocionou muito porque apresentava o áudio de uma pessoa, aparentemente bem deprimida e desesperançosa, e a seguir tocava a música. Achei o áudio bem mobilizante e a canção mexeu muito comigo também, porque dizia no refrão: “ando sangrando demais, ando chorando pra cachorro, ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. Essa letra me fez lembrar do meu ano passado, o primeiro ano de pandemia. Lembrei de todas as mudanças pelas quais passei, que todos nós passamos na realidade, do medo que eu senti (de perder as pessoas que eu amava), da tristeza (de precisar deixar de lado atividades que eu gostava muito), do desespero (de ver como essa situação estava sendo encaminhada no nosso país).
Foi um ano muito difícil, chorei várias vezes, outras me senti completamente anestesiada. Tentei me conectar da forma como eu conseguia com as pessoas a minha volta. Em muitos momentos, coloquei uma máscara de que estava “tudo bem”, mas por dentro estava sangrando. Como é difícil falar sobre isso né? Até escrevendo agora eu fico com receio de publicar isso no blog. Será que as pessoas vão me julgar? Será que vão se assustar e achar que eu estou muito mal?
Isso acontece muitas vezes quando nos colocamos de forma vulnerável, os outros se assustam, tentam nos animar, tentam nos tirar daí. É compreensível, eles se importam com a gente e querem nos cuidar, mas será que é a melhor forma? Será que não podemos simplesmente falar sobre isso, dar espaço para essas sensações difíceis de sentir? É importante compreender que se colocar de forma vulnerável é diferente de estar em risco. E mesmo que a pessoa esteja em risco e precise de ajuda profissional, escutá-la de forma acolhedora e conectada é o primeiro e grande passo.
Respondendo à pergunta do início do texto, se colocar de forma vulnerável, se permitindo escutar e sentir o sofrimento do outro, ou expressar o seu próprio sofrimento, dando espaço para ele e aceitando-o como ele aparece, nos permite nos conectarmos em níveis muito mais profundos. Vamos tentar fazer isso? Abaixo deixo o clipe da música que me inspirou para fazer esse texto.
Artigo escrito por Mariana Sanseverino Dillenbur, psicóloga e integrante do Núcleo Contextus
Referência
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: A guide for creatingintense and curative therapeutic relationships. New York, NY: Plenum http://dx.doi.org/10.1007/978-0-387-70855-3.