Querer mudar
Se me perdoam a descontração, começo com uma piada. Um sujeito queria entrar em um grupo de super heróis. Procurou o líder dos super heróis, que inquiriu qual o super poder do candidato. O mesmo respondeu: “Meu poder é querer”. O líder dos super heróis olhou por baixo de sua super máscara os olhos do candidato e disse “Querer não é poder!”
Existem, na psicologia, muitas linhas. Algumas abordagens apontam que a mudança de comportamento passa por um querer e que o sujeito, quando age de maneira contrária a sua saúde, é porque, de alguma forma, não quer fazer a mudança. Outras entendem que existem fatores para se comportar de determinada maneira, e que modificando estes fatores a mudança se torna mais provável. Alguns desses fatores são externos, e outros podem ter mais a ver com a interpretação, ou, como esses fatores externos são percebidos e qual seu impacto em manter ou modificar o comportamento. Falando em bom portuguẽs, a fome seria um destes: se estamos bem alimentados, é mais fácil manter a dieta. Se estamos morrendo de fome, mais fácil deixarmos ela pra lá. E de fato há estudos mostrando que uma dieta que tem a fome como componente tem menos chance de sucesso...
Ajudar a pessoa, então, a mudar sua visão sobre sua vida como um todo pode ajudar a essas mudanças, além, claro, de modificar questões concretas sobre sua vida. Ora, é indubitável que tem razão de ser o comportamento em questão, mas também que hábitos saudáveis são superiores. Há como classificar isto grosseiramente. Quando a pessoa nem pensa em modificar seu comportamento, o que poderíamos chamar de “pré-contemplativo” (antes de pensar a respeito), uma exploração respeitosa de seu contexto como um todo pode ser a melhor maneira de lidar. Confrontar, neste momento, é garantia de a pessoa se sentir acuada. Mas uma boa exploração vai demonstrar os prejuízos do quadro, cedo ou tarde.
A partir disso a pessoa talvez pense a respeito de, um dia, quem sabe modificar seu quadro. A isto poderiamos chamar de “contemplativo” (pensando a respeito). Nesse momento é interessante sermos um pouco mais assertivos, e compararmos vantagens e desvantagens de ter ou não aquele comportamento nocivo, ou subótimo, contra um comportamento proposto (bons hábitos, abstinência de uma substância). Também podemos começar a ajudar o indivíduo a pensar sobre quais seriam as possíveis peripécias e obstáculos como, no caso do exemplo da dieta, fazer um lanche saudável antes de ir a eventos sociais com alimentos sedutores, ou no supermercado comprar os alimentos da semana. Isso permite que a pessoa tome coragem e comece a se planejar para a mudança de comportamento. Neste momento, a balança pesa menos para explorar vantagens e desvantagens e mais para preparação, prever obstáculos, criar redes de apoio, modificar redes de contato e sociais. Neste momento poderá realizar a mudança de comportamento.
Para algumas pessoas, isso tudo pode ocorrer em um único encontro. Para outros, pode levar bastante tempo. Fatores como empatia, conexão terapêutica, histórico de vida, tentativas prévias, todos estes influenciam. Não há fórmula mágica e instantânea. Mas, de fato, quando este processo é bem feito, coisas que outrora eram muito sedutoras talvez se tornem menos sedutoras, e coisas que outrora foram muito desinteressantes talvez possam ser resgatadas. Isso muito ajuda a ter uma vida de valor, uma vida que vale a pena ser vivida. Além, é claro, de não passar com fome na frente da sorveteria! Pois, assim, quando de fato puder comer um sorvetinho, que seja por auto cuidado, por amor, e não algo a se chatear depois. E, em alguns casos, isso, claro, envolve o fim de um momento na vida, como no uso de substâncias ou alguns comportamentos que colocam a pessoa em risco. Ainda assim, teremos outras coisas na vida que farão com que esta valha a pena.
Texto do Psiquiatra Emmanuel Kanter da equipe CEFI Integração - tratamento multidisciplinar para Dependência Química