Faculdade do Cefi

Temas Atuais

Participar sem planejar

Uma das características técnicas da Terapia Comportamental Dialética Radicalmente Aberta (Radically Open Dialectical Behavior Therapy – agora tente ler isso em voz alta três vezes! Ufa!! – RODBT) é ser uma psicoterapia, ironicamente, relativamente rígida na sua estrutura. Trata-se de um protocolo de trinta sessões de terapia individual e trinta reuniões de treino de habilidades. Essa organização ajuda muito na adesão pela população alvo dessa abordagem, aquela com características de sobrecontrole (Overcontrol – OC).

Essas pessoas, imprecisamente sobreposta no DSM e CID com quadros como Anorexia Nervosa, Transtorno do Espectro Autista, Depressão Crônica e alguns Transtornos de Personalidade (Obsessiva Compulsiva, Paranóide, Esquizóide e Esquiva), podem sofrer de muito desconforto em situações de exposição social ou com regras pouco definidas. Também, ao contrário de outros pacientes, tendem a tolerar isso em silêncio, sem apontar esse desconforto – mas podem abandonar o tratamento em decorrência disto.

Assim, a terapia organizada e sequenciada, com demandas claras, pode ajudar muito o paciente a se manter no tratamento.

Mas dentro dessa estrutura existem momentos e técnicas para ajudar essas pessoas a tolerar o oposto a essa rigidez, e até mesmo a aprender a ser um pouco mais leve e se divertir – no palavreado da abordagem, conseguir ser um pouco bobo. Boa parte das tarefas é infundida de um humor leve, não cáustico ou cínico, e o terapeuta é estimulado a modelar isto. Essas estratégias também são caracteristicamente de uso rápido – gerar um pouco de desconforto, mas logo suspendê-lo, e voltar a atenção para outra coisa, de maneira que essa tolerância sejar desenvolvida progressivamente e com menos sofrimento.

Uma das formas mais diretas e evidentes de realizar tal crescimento é uma técnica/brincadeira chamada PARTICIPAÇÃO SEM PLANEJAMENTO. É algo que é feito por menos de um minuto, em um momento da sessão individual mas mais especificamente em todas sessões de treino de habilidades, não há uma orientação prévia de como vai ser a atividade realizada no dia. Os treinadores se levantam, convidam os participantes a se levantarem também, e ao mesmo tempo que anunciam a atividade, já iniciam a sua realização. Assim, todos, durante um período curto, fazem alguma “brincadeira boba”. Os treinadores solicitam uma breve salva de palmas, depois todos sentams e seguem a aula, geralmente sem conversar sobre a experiência.

Alguns exemplos de atividades:

  • Todos falam com a voz muito fina, e depois muito grossa
  • Siga o mestre (imitando um dos treinadores)
  • Equilíbrio em um pé só, batendo palmas
  • Imitar alguma celebridade
  • Fingir que está encontrando um amigo que não vê há muito tempo
  • Imitar zumbis

Assim, treina-se espontaneidade, confiança (seguir a orientação), não ruminação, entre outras coisas úteis para nossos clientes queridos.

 

Muito bem, muito bacana, muito bonito.

 

Mas e para quem não está fazendo tratamento nessa linda abordagem e quer desenvolver um pouco mais disso na sua vida, como pode fazer isso?

Dizendo sim!

Saia de casa com a intenção de dizer sim. Não busque ruminar, planejar, mas sim estar aberto e atento. Não sei se algo vai acontecer, mas acredito que estando abertos localizaremos mais oportunidades de realizar a prática de dizer sim. São coisas muito simples, não procure nada demais, mas não esqueça: Não planeje, não demore, e não fique elaborando depois.

Espera, do que você está falando?

  • Na hora que for pedir seu café, engaje numa pequena conversa boba com a pessoa que está do outro lado. Seja respeitoso, este não é um manual de flerte. Sorria, levantando um pouco as sobrancelhas quando a pessoa falar algo mesmo que minimamente interessante.
  • Lembra quando você era criança e tinha que pisar em apenas alguns locais, como o meio fio, ou pisos de determinadas cores, para não cair na lava? Não? Bom, acho que eu tive uma infância estranha. Mas não é tarde demais! Fazer essa brincadeira por alguns segundos pode até ser útil para o equilíbrio, mas estamos fazendo para tornar o dia mais leve e relaxado.
  • Que música é essa que está tocando? Será que alguém onde você está sabe?
  • Caminhar de uma maneira engraçada pode ser divertido. Ninguém na volta conhece você. Principalmente se você estiver sozinho!
  • Que tempero você vai botar no arroz hoje? Pare na frente da região de temperos do mercado e faça um bom e velho uni-duni-tê. Se sortear algo que não gosta, não é obrigado a fazer – estamos treinando ser bobos, mas não masoquistas.
  • Oportunidades douradas: alguém pergunta as horas, o nome da rua, a direção do shopping. Alguémcruza o olhar com você e ganha um sorrisão e um bom dia. Às vezes as pessoas não gostam. Tudo bem. A maioria gosta. Se puder, caminhe três ou quatro passos com a pessoa para indicar a direção. Complemente o horário com algo relativo ao horário, como “quase cinco, hora do chá”.
  • E o bom e velho ajudar uma velhinha a atravessar a rua…

Não se preocupe se não identificar de cara oportunidades de participar do que está acontecendo na sua volta sem planejar. Esse músculo demanda treino, e muitas vezes só aparece depois no nosso campo mental. Mas com essa intenção você vai acabar vendo oportunidades. No início talvez seja difícil agir. Comece devagar. Comece fácil.

Em outras abordagens, se fala que a atenção plena – observar o que está acontecendo de maneira presente, deliberada e sem julgamentos – é uma parte fundamental de participar da própria vida. Essa mesma perspectiva deve ser levada ao treino que estamos discutindo agora. Não é exatamente sobre ser mais sociável, sobre ser mais bobo, ou sobre ser mais leve. Tem a ver com tudo isso também. Mas é sobre viver aquilo que o mundo nos oferece, mesmo quando não estamos ensaiados e preparados para tal.

E quando me ver por aí, diga: “Vamos lá, Emmanuel, participação sem planejar!” – e vamos ser bobos juntos em algum lugar.

Texto escrito pelo integrante do Núcleo Contextus, Emmanuel Kanter.