O Terapeuta Imperfeito
Em tempos de comemorações alusivas ao Dia do Psicólogo, precisamos discutir uma
pauta que, na minha perspectiva, é uma verdadeira urgência: a vulnerabilidade do terapeuta.
Não sei se os terapeutas que estarão lendo esse texto se identificarão com a minha
descrição, já que a experiência pode ser distinta para cada um. Mas a partir do meu lugar,
identifico desde o percurso na graduação, a ausência desse olhar. O máximo que escutávamos
é que, se quiséssemos trabalhar com o sofrimento humano, precisávamos antes compreender
o nosso. Portanto, “façam terapia”. Ok, até aí entendido. Mas quando chegávamos aos
primeiros consultórios de terapeutas, quando conversávamos com professores, que são
grandes influenciadores na nossa moldura enquanto pessoas e profissionais, eu sentia algo em
comum: o distanciamento. Ninguém falava das dores e dificuldades de cada um. Terminei a
graduação achando que abrir um consultório bastava alugar uma sala, decorar e começar a se
divulgar. Tão tola eu. A experiência na clínica me pegou de formas bem diferentes. E lá estava
eu: tentando entender as minhas dificuldades através de um processo terapêutico individual.
Fiz terapia. Até que parei para refletir: isso só está acontecendo comigo? Só eu estou
assustada com a responsabilidade que temos e o grande desafio que é escutar a
vulnerabilidade humana? Só eu estou apreensiva nas tentativas de segurar os corações dos
meus pacientes, mas nem sempre tendo a certeza de que estou acertando? Só eu estou
trabalhando por horas achando que isso me fará uma terapeuta de sucesso?
Perguntinhas cruéis que, confesso, demoraram algum tempo para encontrar suas
devidas respostas. A tão vulnerabilidade que incentivávamos nos nossos pacientes, não era
encontrada ali, entre colegas. Em um primeiro impulso, a sensação de que só o nosso
consultório é bagunçado é bastante dolorida. Mas depois, ao longo do caminho, a partir de
novas aulas, trocas, conversas de corredor, acabamos nos deparando com essa descoberta:
estamos todos guardando as nossas imperfeições dentro de sete chaves. Eu ainda busco
explicações do motivo pelo qual a nossa profissão recebeu essa “fôrma” e de aprendermos
que um terapeuta de sucesso é aquele que compreende o paciente no primeiro atendimento,
sai com a avaliação pronta, o diagnóstico, plano de tratamento e, sempre que a oportunidade
surgir, a técnica perfeita sai da cartola no mesmo instante. Nosso HD interno deve ter o livro
decorado. Mas apesar disso, o que tenho para dizer nesse texto é que, se algum momento da
tua trajetória tu te questionasse as mesmas coisas que eu, já tenho a resposta: não, não
acontece só contigo.
A verdade é que somos tão imperfeitos quanto qualquer outro ser humano que habita
essa Terra. Temos nossas dificuldades, fragilidades, um somatório de erros. Também
choramos, tropeçamos, caímos de cara no chão. Falhamos. Mas o que eu posso
verdadeiramente dar a nós os créditos é que, apesar de tudo isso, buscamos ao máximo
trabalhar eles para que quando estivermos na frente de um paciente possamos estar como
eles merecem: por inteiros. Se dar conta disso é a maior lição de autocuidado que podemos
dar, descobrimos nossos limites pessoais, de que não somos terapeutas para todos os tipos de
pacientes e que, por isso, um encaminhamento é o melhor cuidado também com quem nos
procura. Ter a clareza disso é como chegar a uma praia paradisíaca depois de uma trilha
íngreme: o horizonte fica imenso e, de forma paradoxal, apesar dos limites que colocamos no
trabalho, nossas possibilidades se tornam infinitas. Feliz dia dos psicólogos imperfeitos,
colegas! Tamires Dartora CRP 07/23893