O que o nosso corpo está dizendo?

A Teoria Polivagal, proposta pelo neurocientista Stephen Porges, mostra que o nosso sistema nervoso autônomo responde ao ambiente de forma muito rápida, antes mesmo de termos tempo para pensar.
Você já sentiu um alívio imediato ao chegar em casa depois de um dia estressante? Ou já se sentiu ‘paralisado’ diante de uma crítica ou desconforto? Ou mesmo sentiu vontade de chorar ao ser acolhido, sem saber bem o porquê? Essa teoria nos auxilia a entender por que essas reações acontecem e como podemos usá-las de forma positiva em nosso cotidiano.
Um dos pontos importantes que essa teoria propõe é compreendermos que o nosso corpo está constantemente avaliando se estamos seguros ou em perigo, mesmo sem a nossa consciência imediata. E ele faz essa avaliação por meio de informações do nosso cotidiano: a distância ou proximidade em relação às pessoas, os comportamentos, gestos, expressões faciais, como as pessoas se comunicam conosco, as características dos lugares que frequentamos, entre tantas outras informações que podem estar interagindo conosco momento a momento.
Nosso sistema nervoso tem três modos principais de funcionamento. O primeiro é o estado de segurança e conexão, onde a autorregulação, presença e abertura estão presentes. Nesse estado, conseguimos pensar de forma mais organizada, tomar decisões e manter o foco naquilo que é importante. Não ficamos presos em pensamentos obsessivos, nem queremos resolver toda a vida ao mesmo tempo. Sentimo-nos mais criativos e curiosos para aprender. Há espaço para os sentimentos, sem nos sentirmos engolidos por eles. É aquela sensação de que podemos ‘ser quem somos’, percebendo o fluxo das experiências agradáveis e desagradáveis vividas.
Quando algo ameaça o estado de segurança, entramos em alerta, no modo de luta ou fuga – sendo este o segundo estado do sistema nervoso. Isso pode acontecer quando, por exemplo, ficamos muito irritados ou reativos em um dia com muitas coisas a resolver e correria. Mesmo tentando manter a calma, o excesso de estímulos ativa o nosso sistema de alerta, e assim podemos ficar mais impacientes, ter dificuldade de concentração e tensão muscular. É comum, nesse estado, termos pensamentos mais catastróficos ou rígidos, como se só tivéssemos duas opções: reagir ou nos proteger. Esse estado pode se mostrar útil em diferentes momentos do nosso dia; porém, é insustentável para a nossa saúde mantê-lo por longos períodos.
No terceiro estado, se a ameaça parece grande demais ou constante, nosso corpo pode recorrer ao modo mais antigo de proteção: o estado de congelamento, apatia ou desligamento. Esse estado pode vir acompanhado de sensações de inutilidade, desesperança, vergonha profunda ou vontade de se esconder ou desaparecer. É um lugar onde a mente pode parecer nublada ou desligada, com bloqueio emocional e pensamentos como ‘nada adianta’, ‘não consigo’ ou ‘tanto faz’.
É natural que o nosso corpo transite entre esses três estados; temos estruturas corporais que fazem com que todos eles ocorram. E este é o ponto chave: é importante que o nosso corpo dance entre esses estados, não permanecendo cristalizado em apenas um deles. É possível aprender a dançar entre esses estados, reconhecendo-os e influenciando-os. Por exemplo, prestar atenção na nossa respiração, fazer uma atividade que sentimos prazer, conectar-se de forma consciente com o corpo ou estar com alguém em quem confiamos são formas simples de nos auxiliar a ativar o estado de segurança.
Olhar para o nosso corpo e para o lugar que ele ocupa com mais curiosidade e menos julgamento pode ser um caminho gentil de regulação. Em vez de se cobrar por estar cansado, desatento ou sem energia, que tal se perguntar: o que meu corpo está tentando me dizer agora? O que poderia me trazer segurança neste momento? Qual é a minha necessidade a partir do que observo?
A Teoria Polivagal também nos ensina que segurança não é uma ideia, é uma experiência corporificada. Ou seja, não adianta apenas dizer a si mesmo que “está tudo bem” se o corpo ainda está em alerta. Criar ambientes acolhedores, buscar relações afetivas nas quais nos sentimos validados e pertencentes e cultivar pequenos momentos de presença são formas concretas de dançar entre estes estados com mais fluidez.
Assim como podemos trazer a sensação de segurança em experiências individuais, as relações são fundamentais para os processos de regulação. Somos seres que se regulam em contato com os outros. Assim como a agitação ou o estresse de quem está perto pode nos deixar em alerta sem que percebamos. Um abraço afetuoso, uma conversa agradável ou simplesmente estar ao lado de alguém calmo pode ter efeitos profundos sobre nosso estado interno.
A Teoria Polivagal nos oferece uma forma compassiva de entender nossos estados internos. Ela nos lembra que regular emoções não é apenas uma questão de força de vontade, mas de aprender a escutar os sinais do corpo — e de criar condições para que ele se sinta seguro novamente.
Sugestões de Leitura:
The Polyvagal Theory: Neurophysiological Foundations of Emotions, Attachment, Communication, and Self-Regulation – Stephen W. Porges
Polyvagal Safety: Attachment, Communication, Self-Regulation – Stephen W. Porges
Este texto é de autoria do membro da equipe CEFI Contextus - Ana Paula Domeneghini