Meditando sobre ACT na caverna de Platão
A realidade e a sombra
Saudações!
Recebo você na esperança de estar tendo dias bons, ou acolhendo sofrimentos que possam estar acontecendo, para, juntos, contemplarmos um pouco.
Você lembra da alegoria da caverna de Platão? Nesta história, apresentada no seu livro A República (data estimada por volta de 350ac), Platão usa uma analogia de um grupo de pessoas que vivem acorrentadas na parede de uma caverna durante toda sua vida, voltadas para uma parede sem marcas, e com uma fogueira ardendo às suas costas, de modo que a única coisa que podem ver são as sombras de si, dos demais, de objetos, chegando a nomeá-los. Para estes prisioneiros, as sombras são a realidade!
Todavia, essas sombras são representações empobrecidas da realidade, tem poucas das suas características, como volume, cor, cheiro, etc., e os objetos abaixo do sol, fora da caverna, têm muito mais informações.
Analogicamente, é como se as sombras fossem as informações que temos disponíveis para nossos sentidos, enquanto as características disponíveis para a razão (representada pelo Sol) são muito mais ricas, como, por exemplo, a função.
Continuando, Sócrates complementa que o filósofo é como um prisioneiro que se liberta, e entende que as sombras não são a fonte da imagem, e sim o fogo. Sem perceber isto, não se imagina a possibilidade de um fogo ainda maior, que seria o sol. E, portanto, os prisioneiros sequer sonham com uma liberdade.
Essa história me fez refletir em conjunto com uma citação de Anaïs Nin, em A Sedução do Minotauro (1961) : “Nós não vemos as coisas como elas são, nós vemos as coisas como nós somos”.
Se existe um fogo, uma fonte de luz, atrás de mim, e se eu vejo uma sombra projetada dessa fonte de luz na minha frente, é evidente que a figura central que vejo projetada, ou a sombra mais visível, é a minha. E a minha sombra nada mais é que uma modificação da luz causada por mim mesmo. Ou seja, se aquela fonte de potencialidade de muitas imagens, de calor e proteção, passa por mim, eu posso me mesmerizar por essa imagem e ficar fixado nela, me relacionar com ela como se fosse a totalidade da experiência.
Não soa um pouco como fusão cognitiva?
Se, por outro lado, eu percebo que, de acordo com meus movimentos, com minha situação atual, por assim dizer, minha sombra muda, isso não soa um pouco como desfusão cognitiva?
E então eu passo a poder examinar essa sombra de vários ângulos, tendo uma série de representações distintas, isso não é tomada de perspectiva?
E em última instância eu posso acabar percebendo que, não interessa qual seja a sombra, ela não representa a totalidade do observador, essa é a essência do self observador ou self-como-contexto: a capacidade de se ver como aquilo que observa os fenômenos.
E a chama é nossa capacidade de transformar estímulos brutos da realidade em um mundo inteiro, de reconhecimento e sentido.
Espero que essa mistura não tenha entediado você, leitor, mas acho que é importante estabelecer um pouco de conexão com essa metáfora e orientar um pouco uma possibilidade de vincular esta com a ACT antes de passar para um exercício de consciência plena:
Como sempre, vamos começar o exercício buscando uma postura digna, com a coluna ereta e o resto do corpo relaxado. Pode manter os olhos abertos ou cerrados. Respire fundo, e apenas relaxe, sem levar sua atenção a nada de especial.
Espere.
Após um pouco de tempo, vai acontecer uma distração. É como uma sombra, algo nosso modificando a luz da chama. Não significa que seja uma coisa negativa, mas sem dúvida é uma representação de uma parcela, apenas, de uma situação.
Evite repelir essa imagem, pois não há nada de errado com ela, inerentemente. A dificuldade que pode surgir é achar que ela mostra a totalidade. Apenas a sustente um pouco, lembrando que é uma sombra, a luz sendo modificada por uma parcela da totalidade para criar uma imagem.
A seguir, comece a movimentar um pouco essa cena. Gere uma dúvida, como se estivesse movimentando um objeto para modificar um pouco essa sombra. Questione se essa é a única interpretação possível, se está sendo descritivo, se está julgando. Continua sendo uma sombra, não melhor nem pior do que a anterior.
Continue girando o objeto, questionando-se: “Qual foi minha motivação para essa resposta?” “O que poderia ter feito diferente?” “O que isso fala a meu respeito, e o que poderia aprender com isso?” Não se esqueça: Não vamos ter acesso ao objeto total observando sombras. São sombras! Nada mais do que amostras, partes, representações incompletas.
E assim percebemos um pouco de um modelo sustentado dentro de nossa mente, que é formado a partir dessas diversas sombras, e nunca ficará também completo, mas nos ajuda a perceber. Aqui parece ter um bocal, aqui uma abertura. Isto aqui parece uma alça!
Para terminar, vire-se de súbito (não com seu corpo, e sim com sua capacidade de observar) e fite intensamente a chama. Ela é capacidade gerativa da mente em si!
E após, relaxe em uma respiração profunda e siga seu dia mais consciente.
Experimente e comente como foi!
Este texto é de autoria da integrante da equipe CEFI Contextus – Emmanuel Kanter