Intimidade e relações
Faço parte de um grupo de estudos sobre as Terapias Comportamentais Contextuais e estamos atualmente lendo sobre FAP (Functional Analytic Psychotherapy), que é direcionada a pessoas com queixas ou dificuldades de relacionamento interpessoal. Mas de tudo o que estudei, quero focar no tema da intimidade, que pode ser abordado na terapia individual, familiar, conexões sociais, românticas e nos meus trabalhos com grupos. Sendo assim decidi abordar esse tema, de forma mais informal, aqui nesse espaço.
Sabe-se de resultados de pesquisas que as conexões sociais afetam nosso funcionamento psicológico. A solidão e o isolamento social ou ausência de vínculo aumenta significativamente o risco de mortalidade, afeta negativamente o hormônio de estresse e o funcionamento do sistema imunológico e cardiovascular. Dessa forma, as relações sociais fazem parte do contexto de bem estar e de saúde mental na vida dos indivíduos, a partir de estabelecimento de relações interpessoais relevantes com características de intimidade.
Segundo Reis e Patrick (1996), a construção central desse modelo é o processo de relações de vulnerabilidade-responsividade (VRR), que descreve um processo “diádico recíproco”, onde um membro da díade (“o falante”) expõe sua vulnerabilidade e o outro (“o ouvinte”) responde de maneira segura, acolhedora, compreensiva e carinhosa. Essa resposta se torna reforçadora e implica no aumento da probabilidade de novas revelações vulneráveis do falante no futuro, aumentando a vivência de intimidade na dupla e melhorando o nível de satisfação na relação.
Outros fatores bastante relevantes para essas trocas recíprocas de vulnerabilidade (expressão emocional, perguntas, auto revelação) e responsividade (segurança/aceitação, validação e doação) é o grau de autoconsciência e consciência de ambos; a coragem da expressão de suas emoções, pedir, perguntar; e o amor do acolhimento, da validação, da segurança e da escuta. Ou seja, quanto mais consciência de si e do outro, é mais provável que ocorram expressões corajosas e amorosas de forma assertiva e que produzam intimidade.
Portanto, a compreensão e a coragem do terapeuta ou facilitador de grupos (no meu caso), membro da família, amigo, etc…, de se colocar nesse lugar de falante e também ouvinte na relação, facilita o desenvolvimento de repertórios de maior criação de intimidade, sendo que o modelo de vulnerabilidade e responsividade amplia inúmeras possibilidade de conexão e bem estar na vida.
Escrever e pensar nessas questões me fez lembrar do texto de Rubem Alves que muitas vezes usei nos meus treinamentos de feedback e desenvolvimento das relações interpessoais e senti vontade de compartilhar com vocês. Desfrutem…
Escutatória (Rubem Alves)
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar… Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que… Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade: A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor… Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração… E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos… Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Vejam a semelhança… Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio… Abrindo vazios de silêncio… Expulsando todas as idéias estranhas. Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos…
Pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir… São duas as possibilidades. Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado. Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou. Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou. E, assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência… E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras… No lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia… Que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.
Texto escrito pela integrande do Núcleo Contexto, Vanessa Stechow.
REFERÊNCIAS:
Ferreira T.A.S.; Oshiro C.K.B. Terapias contextuais comportamentais: análise funcional e prática clínica. 1.ed. Santana de Parnaíba-SP: Manole, 2021.