Está na hora de falarmos sobre autismo em adultos
Uma boa notícia?
Dia 02 de março foi o Dia Mundial do Autismo. Na semana passada, uma pesquisa do CDC (a Anvisa dos EUA) informou que 1 em cada 36 crianças está dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA, mas aqui vou chamar de Autismo). Os últimos dados (2018) diziam que 1 em cada 59 se encaixavam nessa definição. Há uma enorme discussão sobre a questão de estar se fazendo hiper diagnóstico ou não, mas o que quero enfatizar é que nós estamos nos deparando, cada vez mais, com um novo tipo de diversidade: a neurodiversidade.
O que é autismo, afinal?
Antes de falar de neurodiversidade, quero explicar o que é o Autismo. Se procurarmos no DSM-V-TR, o mapa diagnóstico para profissionais da saúde mental, vamos encontrar duas características:
- Padrões de comportamentos ou interesses restritos e repetitivos.
- Prejuízo na interação social
Para fecharmos critérios para autismo, essas características devem estar presentes desde a infância e não serem explicadas por outras condições. Por exemplo, uma pessoa deprimida pode ter poucos interesses e dificuldades de relacionamento, mas se ela não apresenta isso desde a infância, já sabemos que ela não teria as variações no desenvolvimento neurológico que sinalizariam Autismo.
Quando uma criança apresenta sinais de autismo, há várias intervenções de apoio que já estão bem estabelecidas na rede de saúde privada, como a Intervenção ABA, Terapia de Integração Sensorial, entre outros. Os planos de saúde têm obrigação de cobrir esse apoio caso seja avaliado autismo nas crianças.
Aqui cabe mais uma informação: você já deve ter ouvido falar sobre Síndrome de Asperger, ou sobre autistas não-verbais, ou ainda gênios com muitas dificuldades de traquejo social que se dizem autistas. Tudo isso, desde 2013, está dentro do guarda-chuva do “Espectro” Autista, organizados em três níveis de suporte, de acordo com as necessidades apresentadas. Geralmente, as pessoas autistas nível 1 de suporte (antigamente Asperger) recebem diagnóstico depois de adultas. Isso significa que passaram a vida toda precisando de um nível de suporte que nunca foi visto, ou se foi visto foi interpretado de diversas formas, muitas vezes invalidantes.
Os problemas dos adultos autistas
Antes de voltar à neurodiversidade, quero comentar alguns avanços em termos de pesquisa sobre adultos autistas. O DSM-V-TR e outros guias diagnósticos se baseiam em pesquisas feitas comparando a experiência do desenvolvimento normal ao desenvolvimento atípico em crianças. A questão é que essas crianças viram adultos, e o Autismo não é uma condição curável. Muitas vezes autistas nível 1 que receberam diagnóstico na infância seguem com as mesmas dificuldades, e aí surgem outras questões:
- A hiper ou hipossensibilidade sensorial: uma grande diferença entre crianças e adultos é a complexidade de poder explicar suas experiências privadas para os outros. Uma criança com sobrecarga sensorial (por luz, barulho, tato) pode abrir um berreiro e as pessoas talvez entendam do que se trata. Os adultos já podem dizer que estão incomodados com a luz, com o barulho, com as texturas ou outras hipersensibilidades que possam surgir, se tiverem habilidades para tal. E isso é pouquíssimo explorado na literatura.
- O Masking: muitos autistas nível 1 não sentem necessidade de ser muito expressivos na sua fala, de usar entonação de voz, de usar recursos narrativos. Acabam por sair como pessoas grosseiras, e aí para sobreviverem desenvolvem recursos para mascarar suas necessidades a fim de evitar experiências de rejeição social. O resultado disso é que é muito custoso para pessoas autistas se envolverem em situações sociais complexas como eventos sociais, salas de aula ou ainda ambientes de trabalho pouco estruturados. Aí outra coisa que os autistas adultos passaram a reportar é o quão cansativo o Masking acaba sendo, principalmente em mulheres, afinal é mais culturalmente aceito para os homens serem carrancudos e inexpressivos. A Táhcita Mizael publicou um artigo muito legal sobre isso, se quiser ler mais a fundo.
Voltando à neurodiversidade
Quando falo em neurodiversidade, estou partindo de um discurso interseccional, que é: que os Transtornos do Neurodesenvolvimento (Autismo, Déficit de Atenção e Hiperatividade, entre outros) não são doenças, são variações na experiência humana. Pessoas neurotípicas – aquelas com desenvolvimento normal – têm interesses moderados nas suas atividades e não apresentam muitas dificuldades de entender e manejar situações sociais. Já as neurodiversas ou neurodivergentes têm dificuldades em navegar em situações planejadas para pessoas neurotípicas, como longas reuniões de trabalho sem pauta; espaços públicos aglomerados, luminosos e barulhentos; situações de imprevisibilidade, como provas-surpresa ou comunicação insuficiente no ensino, entre outros.
Colocamos o termo diversidade porque quando estamos falando de inclusão social e saúde mental, as dificuldades enfrentadas pelos neurodivergentes são similares àquelas de pessoas não-normativas em outros aspectos, como mulheres, minorias sexuais ou de identidade de gênero:
- As pessoas neurodivergentes não têm escolha sobre como são, mas são julgadas como se tivessem. Um TDAH não escolhe quando vai entrar em hiperfoco e esquecer as suas obrigações; um autista não escolhe ter sobrecarga sensorial ou não entender situações sociais complexas.
- O mundo neurotípico é organizado de forma opressiva – nem sempre intencionalmente, mas às vezes sim – às necessidades dos neurodivergentes. No texto da Táhcita, ela fala sobre os diferentes níveis de opressão para mulheres, para negros e para os autistas.
- O mundo da saúde está pouco preparado para lidar com as necessidades neurodiversas. O pouco que já se avançou em pesquisa para pessoas LGBTQIA+ se reflete um tanto no quanto a normatização da saúde pode deixar muita gente de fora. Um exemplo disso é quando questões de hipersensibilidade ou masking são tratadas como “resistência”, ou ainda recebem tratamentos que parecem mais tortura, visto que os princípios de aprendizagem (aí também de terapia, na visão contextual) pressupõem um organismo com desenvolvimento típico (Skinner, 1981).
Há muitas outras questões a serem discutidas, por isso vou deixar um podcast do Nerdcast com as psicólogas Ana Arantes e Tatiana Perecin, falando sobre adultos vivendo com Autismo.
Cordão Girassol – Usado para identificar pessoas com Autismo
Texto escrito pelo integrante do núcleo contextus Giovani Gatto