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Análise da Série Adolescência no Netflix

A pergunta central da série Adolescência (2025) parece ser “por quê?”. A família de Jamie quer uma explicação (seja para ter culpa ou redenção), a polícia precisa de um motivo, e a sociedade quer garantias de que o crime não se repita. E, para isso, parece necessário produzir um fio explicativo entre causas e consequências.

A “culpa” vai se transferindo: o pai que não é afetuoso; os colegas que dão maus modelos; a própria vítima que ridiculariza e humilha o seu futuro algoz; a escola que parou no tempo; e as redes sociais que instrumentalizam e radicalizam as frustrações dos meninos.

É seguro dizer que a maior parte das famílias desconhece o que seus filhos vivem através das telas de celulares e computadores. As redes sociais (e devemos pensar nas mais populares, como o Instagram, e nas mais ocultas, como os fóruns) são inundadas diariamente de discursos odiosos, interpretações distorcidas da realidade e convocações à ação violenta. Em “Adolescência”, vemos Jamie encerrar barbaramente a vida de uma colega; às vezes, o caminho é outro: em Yonlu (2018), vemos Vinicius tirar a própria vida, sob influência de anônimos em um fórum da Internet.

O que se deve fazer então? Desligar o wi-fi de casa? Confiscar celulares? Monitorar cronicamente a vida digital dos filhos? É difícil precisar como os pais devem lidar com o uso da Internet pelos seus filhos, pois isso depende de contexto, cultura familiar, idade, desenvolvimento socioafetivo, entre muitos outros fatores. Certamente há espaço para repensar a ideia de que “dentro de casa meu filho está seguro”.

Porém, corre-se o risco de atribuir culpa à ferramenta – como se, ao proibi-la, também o problema seria extinto. Já vimos a televisão ser culpada pela violência; já vimos os videogames serem responsabilizados pelos massacres em escolas nos EUA; em certo momento da história, até o hábito da leitura de romances pelas mulheres jovens já foi visto como algo muito mais grave do que mero escapismo – um real perigo à moral e aos bons costumes, uma forma de enfraquecer a mente e perder a noção da realidade.

E, na verdade, são pessoas que criam discursos de ódio (às vezes, com suas vozes multiplicadas por milhões de robôs). E também são pessoas que consomem, se identificam e agem a partir desses discursos. A pergunta talvez seja, então, quais são as condições culturais e psicológicas que levam um jovem a se identificar com ideias como “red pill”, “black pill” ou a teoria do “80/20”? Em que mundo faz sentido um jovem se olhar no espelho e entender que o formato “inadequado” do seu queixo é uma sentença de derrota e uma promessa de frustração social e afetiva?

O “masculinismo” das redes sociais (que é irmão-siamês da misoginia) não é uma semente que brota no vácuo. Os que se chamam (ou são chamados) de “incels” não são ingênuos ou desocupados. Não é só de vigilância que precisam. Eles são consumidores e produtores de uma cultura que está em movimento sob nossos olhos.

Parte indissociável dessa equação é a forma como as relações de consumo permeiam a nossa visão a respeito das relações em geral. Em um mundo de consumismo acelerado, as relações pessoais passam a ser lidas pela lógica de mercado: “eu não sou um produto atraente, logo vou ficar sozinho para sempre”. Nessa perspectiva cínica, ou o próprio produto (o menino, sua genética, sua aparência) tem um defeito, ou a culpa recai sobre o “consumidor” (as mulheres e de que forma dedicam seu interesse e seu afeto).

Essa cultura, motivada e informada pelo machismo e pelo consumismo, instrumentaliza e se alimenta de frustrações reais e legítimas de jovens que perderam a perspectiva de um futuro que valha a pena ser sonhado.

Não há “solução” para problemas culturais, só há mudança. Talvez não exista uma resposta ao “por quê?”, afinal “Adolescência” é um programa ficcional de televisão, e como tal, é a representação de uma trajetória – de um “como”. Mais do que uma explicação para o ato de Jamie, é a história de uma família, de uma cidade, de uma escola, de múltiplos sistemas.

Ouvimos, angustiados, as experiências de Jamie com seu pai e com os temas da masculinidade – o esporte, a virilidade, o desejo sexual. Vemos o pai de Jamie, angustiado, incapaz de dividir seus sentimentos e, até os minutos finais, absolutamente contido. O seu choro catártico no último episódio parece ser o fim amargo da história, mas é também um chamado para os pais do mundo. E, na minha visão, o chamado não deve ser apenas por mais supervisão, mas sim por mais contato, mais olhar, mais compreensão, mais aceitação, mais vulnerabilidade e mais amor – gestos capazes de transformar nossas relações.

Autor - Roberto Decker