Aceitação Radical e a Enchente no RS
Aceitação Radical e a Enchente no RS
Gosto muito da Oração da Serenidade e acho que ela se aproxima de alguns processos da Terapia de Aceitação e Compromisso. Acredito que a mensagem desta oração cabe muito no contexto que estamos vivendo no estado do Rio Grande do Sul. Ela diz assim: “Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras”.
Quais são as coisas que não podemos modificar no contexto da catástrofe que nos acometeu? São os fatos, o que está posto: as centenas de pessoas que perderam suas vidas, as memórias que se foram com as águas, o ter de se adaptar à vida sem a presença de alguém importante. São muitas as coisas que não podemos modificar. Dores emocionais intensas se fazem presentes aqui, decorrentes destes fatos sob os quais não temos o menor controle, já estão aí. Não temos como modificar. Embora muito difícil, fazer espaço para sentir as emoções dolorosas que acompanham o momento vai fazer parte do processo de continuar a vida.
E as coisas para modificar? São muitas, infinitas… das micro às macro mudanças. Desde objetos e coisas para limpar até questões macropolíticas e ambientais para serem repensadas por toda uma sociedade.
É na diferenciação das coisas sob as quais temos alguma gerência e capacidade de modificar versus aquelas que não estão sob nosso controle que mora a dita sabedoria que a oração nos apresenta. Ao tentar mudar o que está posto, investimentos uma energia emocional intensa em vão. Por vezes lutamos e não queremos aceitar a água que subiu, a casa que se perdeu, o irmão que se foi, a cidade que mudou, o mau cheiro que ficou. Tudo isto dói demais… e não aceitar traz um efeito de aumentar esta dor. Aqui entra a habilidade de aceitar radicalmente, equiparada neste texto à serenidade de aceitar as coisas que não podemos modificar. Não se trata de se acomodar, mas de saber que algumas coisas estão como estão ou são como são, o que, estranhamente, nos deixa mais em paz.
Esta habilidade de aceitação radical é proposta pela Terapia Comportamental Dialética (TCD) e é definida como “aceitação completa e profunda dos fatos da realidade (…) muitas vezes confundida com aprovação (mas não é) ou considerada contrária à mudança (mas não é) (Linehan, 2018, p.417). O manual de treinamento para pacientes propõe diversos exercícios que ajudam no desenvolvimento desta habilidade, tais como, por exemplo, redirecionar a mente (p. 345), e o passo a passo desta habilidade consiste em:
- observar o que não estamos aceitando. 2. Olhar no seu íntimo e comprometer-se a aceitar a realidade como ela é. 3. Faça novamente, várias vezes. Continue redirecionando sua mente. 4. Desenvolva um plano para, no futuro, flagrar a si próprio desviando da aceitação.
Que em momentos de crise e de situações que não podem ser modificadas, possamos fazer espaço dentro de nós, assim como ajudar quem está perto a aceitar a realidade como ela está. No contexto atual do nosso estado em função da enchente, a equipe do Cefi Contextus tem estado engajada em trabalho voluntário para ajudar as pessoas.
Referência
Linehan, Marsha M. Treinamento de habilidade em DBT: manual de terapia comportamental dialética para o terapeuta. Porto Alegre: Artmed, 2018.
Linehan, Marsha M. Treinamento de habilidade em DBT: manual de terapia comportamental dialética para o paciente. Porto Alegre: Artmed, 2018.
Este texto é de autoria do membro da equipe CEFI Contextus – Martha Wallig Brusius Ludwig